Que história é essa de biovigilância?

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Nosso primeiro post foi sobre a Professora Ana Maria de Carvalho, também conhecida como tia Aninha, que teve uma surpresa nada agradável na mesa de cirurgia, instantes antes de ser anestesiada para receber um transplante de coração.

Talvez você não saiba, mas casos como este não são de todo incomuns. Apesar do Brasil ter evoluído muito nos últimos anos, transplante é uma atividade delicadíssima e há uma miríade de coisas que podem dar errado desde o momento em que o órgão sai de um doador até o momento em que o receptor retorna à sua vida cotidiana.

O que fazer para zerar as perdas de órgãos (bem como tecidos) e garantir que seus receptores finais respirem aliviados? Décadas de estudos teóricos e clínicos mostraram que não existe resposta única para essa pergunta. Na verdade, as respostas são tantas — e se espalham por áreas tão vastas — que foi necessário o surgimento de uma nova disciplina para dar conta das mesmas. Este é o território da biovigilância.

E, afinal, por que se interessar? Por que dar atenção a essa discussão se você não cuida da logística necessária para que esse tipo de coisa funcione?

Primeiro, porque biovigilância é um dos assuntos mais quentes da era COVID. Segundo, porque pode ter sentido instrumental para você, que ainda não se tocou de tal realidade. Terceiro, porque o assunto vai muito além dos campos da medicina e da enfermagem, envolvendo tecnologia, direito, análise de risco e estudos culturais; ou seja, é capaz de produzir sinergias e convergências. Finalmente, porque nós somos apaixonados por biovigilância. E nada melhor do que ler sobre algo escrito por quem genuinamente acredita naquilo que tem a dizer.

Fez sentido? Se não, ok, a gente se vê por aí. Se sim, vamos nessa.

Como todo conceito complexo, biovigilância pode querer dizer mais de uma coisa. Por exemplo, se você olhar a entrada do conceito da Wikipedia em inglês, verá que está definido como a detecção, entendimento e prevenção de “eventos biológicos” na sociedade.

Nos círculos mais especializados, este sentido geral tende a ceder lugar para definições mais focadas. Assim, por exemplo, um artigo influente de 2019 define biovigilância como o aparato técnico e metodológico existente para monitorar e reportar eventos adversos em doadores e receptores, quando relacionados ao uso de produtos biológicos (sangue, derivados do sangue, tecidos, órgãos e vacinas). Sim, vacinas — eis a sua atualidade incontornável. Nem preciso dizer que esta acepção é, justamente a que mais nos interessa aqui, sobretudo quando se trata de transplantes.

Por falar nisso, você já parou para pensar que a necessidade de manter o transplante de órgãos durante a pandemia foi — e, em certo nível, ainda é — um dos maiores desafios lógicos de toda a área da saúde? Pois é; vale ler este manual que a Anvisa elaborou para entender melhor.

O Brasil é um dos países onde mais se realizam transplantes de órgãos (rins, pâncreas, fígado, pulmão, coração e intestino) e tecidos (musculoesquelético, pele, valvas cardíacas, artérias e veias e medula óssea) em todo mundo.

Este protagonismo estende-se também aos dois principais indicadores usados para medir o quão bem um hospital/estado/país faz transplantes: qualidade e segurança. Dá uma pitada de orgulho, mas, ao mesmo tempo, ajuda a gente a reconhecer que ainda falta bastante para chegarmos ao estado da arte no assunto.

A “qualidade” é composta por um conjunto de indicadores, que, em sua maioria, não mudam de acordo com o tipo de transplante. Mesmo assim, é comum encontrar indicadores de qualidade que só se aplicam a alguns tipos de transplante.

Uma revisão sistemática de 2016 listou assim os quesitos gerais da “qualidade”:

Acesso: oferta de transplante de uma maneira geograficamente racional, com o apoio de know-how adequado.

Equilíbrio: oferta de serviços de saúde que não variam em qualidade em função de quem os recebe, isto é, sem vieses geográficos, socioeconômicos ou raciais.

Centrado no paciente: serviço de saúde que leva em consideração as vontades, medos e outras vicissitudes individuais de cada paciente.

Eficiente: serviço de saúde que otimiza o aproveitamento dos recursos disponíveis.

Efetivo: serviços de saúde baseados em evidência, alinhados às melhores práticas do campo, evitando procedimentos desnecessários.

Já a “segurança” é a capacidade de fazer transplantes minimizando os riscos aos receptores, bem como doadores vivos e às famílias. Nós vamos conhecer melhor o assunto no próximo post.

Desde já, não tome estes critérios a ferro e fogo. O que torna a biovigilância um assunto quente é, justamente, o fato de que muita coisa ainda está em construção.

Por exemplo, no Brasil, a ANVISA criou uma plataforma de biovigilância, permitindo que todos os profissionais que atuam na doação e transplante, notifiquem, registrem e tenham um parecer técnico dos erros que ocorrem. A ideia é que isso ajude na prevenção de futuras ocorrências. Veja abaixo os tópicos que movem o dia a dia de quem trabalha com o assunto no Brasil:

A vida de inúmeras pessoas depende disto sair direito. É mais ou menos como em uma sinfonia, onde a corda estourada do terceiro violino pode botar tudo a perder.

Não perca o próximo post onde vamos falar de um levantamento feito sobre tais cordas estouradas.

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Sistema Nacional de Biovigilância

Este blog é sobre o importante tema da Biovigilância. Não perca suas atualizações, as quais irão cobrir temas fundamentais para quem lida com transplantes!