Vamos falar de segurança do paciente?

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O post anterior introduziu o conceito de biovigilância.

Neste, vamos avançar uns passinhos no tema, apresentando os conceitos e classificações utilizados em “segurança do paciente”, uma sub-área da biovigilância de importância crítica.

Quem vai nos servir de guia é a Organização Mundial da Saúde, que trabalhou muito em tais definições.

Dado que estamos dentro de um assunto em que a coisa mais importante é mitigar riscos, tudo começa com definições gerais para que todo mundo se entenda.

Incidente: evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em danos desnecessários ao paciente. O incidente diz respeito a algo real, que pode ser descrito, mas não necessariamente diz respeito a algo que efetivamente produziu um desfecho negativo. Muitas vezes nos referimos aos mesmos como “eventos adversos”.

Dano: comprometimento da estrutura ou função do corpo ou qualquer efeito negativo. Aqui, o assunto é o desfecho de incidentes que chegaram às vias de fato. É um dos assuntos mais delicados pois, entre outras coisas, traz consigo a questão da severidade e da responsabilidade civil pelo ocorrido.

Risco: probabilidade de ocorrer um incidente. Aqui, o assunto é mais abstrato e, pro vezes, envolve modelos matemáticos e inteligência artificial (aprendizado de máquina) para a previsão. Ou seja, o risco é importante porque serve para prever a chance de alguma coisa sair errada, caso nada seja feito. A ideia é, evidentemente, que algo seja feito quando o risco se eleva, o que chamamos de “mitigação de riscos”.

Os eventos adversos são centrais à biovigilância e podem ser classificados da seguinte maneira:

Quase erro: qualquer alteração na maneira de conduzir os procedimentos relacionados ao transplante que ameaçam a sua chance de sucesso e que — sorte — puderam ser detectados antes que o pior acontecesse.

Incidente sem dano: ocorrência de uma ação executada com desvio dos procedimentos padronizados, neste caso, sem a ocorrência de dano aos envolvidos com o procedimento.

Incidente com dano: ocorrência de uma ação executada com desvio dos procedimentos padronizados, podendo levar à transmissão de uma enfermidade, risco à vida, deficiências ou incapacidades ou hospitalização ou, ainda, a prolongação do tempo de enfermidades ou hospitalização e morte.

Reação adversa: evento que tem como característica principal uma resposta clínica inesperada, de caráter negativo. Trata-se de algo muito importante no universo do transplante pois, aqui, reações adversas frequentemente prolongam a hospitalização, geram incapacidade temporária ou permanente e mesmo levam o paciente a óbito.

Outra maneira importante de classificação dos eventos adversos é em relação à sua gravidade.

Evento leve: é o evento que dispensa hospitalização e não ameaça a vida do receptor ou do doador vivo.

Evento moderado: é aquele que leva à hospitalização específica para o seu tratamento (ou, muitas vezes, ao prolongamento da estadia do paciente internado), gerando deficiências transitórias, além de eventuais intervenções cirúrgicas.

Evento grave: é aquele que demanda algum tipo de intervenção rápida e mesmo radical para impedir o óbito. Muitas vezes produz deficiência ou incapacidade permanente e mesmo a morte do paciente, em um segundo momento.

Óbito: morte do doador vivo ou receptor.

Vale notar que todo evento adverso, independente da gravidade, deverá ser registrado em prontuário e demais formatos estabelecidos pela instituição comunicante. Esse registro deverá ser disponibilizado às equipes de auditorias e/ou autoridades sanitárias se necessário.

Aí surge um novo tipo de desafio: como dar nome aos bois? Quais seriam os conceitos adequados para nomear as inúmeras ocorrências que podem precisar de registro? Esta questão é menos abstrata do que parece: sem registros absolutamente padronizados, fica impossível rodar as estatísticas que revelarão como as coisas andam de maneira geral, bem como o direcionamento de recursos (financeiros, treinamentos, materiais técnicos e afins) para a mitigação do risco de eventos adversos cuja ocorrência fugiu do razoável.

A resposta veio ainda em 2010, quando a Organização Mundial da Saúde fez uma joint venture com o Centro Nacional de Transplantes da Itália, além de algumas outras organizações de peso para produzir um guia listando todas as ocorrências mais severas relacionadas ao transplante de órgãos, tecidos e mesmo células.

Mais de cem experts de trinta e seis países se reuniram no projeto, que deu origem a uma base de dados chamada biblioteca Notify.

Ali é possível encontrar não só as classificações para os eventos adversos, como reações e possíveis causas subjacentes. Um verdadeiro “must have” da biovigilância mundial.

Desde que a biblioteca Notify surgiu, mais um consenso se formou: a segurança do paciente é absolutamente dependente da capacidade de todos se comunicarem com clareza e se entenderem sobre os eventos adversos, o que naturalmente é algo que não se reduz ao campo da clínica, tendo a ver também com a capacidade de estabelecer um tecido comum para gente que vive em diferentes culturas. Lembra que lá trás eu disse que até ciências sociais entravam na discussão da biovigilância? Pois é…

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Sistema Nacional de Biovigilância

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